segunda-feira, 30 de março de 2009

A Religiosidade Afro-brasileira


Entre os africanos, o sobrenatural tem uma grande importância. Todas as decisões da vida são tomadas depois que os ancestrais são consultados através de rituais. Quando eles foram trazidos à força ao Brasil, trouxeram esta tradição. Alguns grupos mantiveram-se mais fechados e preservaram com maior rigor os aspectos culturais africanos. Outros reconstruíram sua cultura com a influência de elementos indígenas e portugueses.

Os primeiros estudiosos sobre as religiões afro-brasileiras, influenciados pelo pensamento evolucionista do século XIX, hierarquizavam as religiões, tomando o Cristianismo como modelo "superior" de religião e as que usavam o transe, sacrifício animal e culto aos espíritos, chamavam-nas de "atrasadas" ou "primitivas". Longe de querer cometer este equívoco, nosso objetivo neste texto é de buscar semelhanças entre as manifestações religiosas de matriz africana, sem ter a pretensão de esgotar o assunto e muito menos de querer atribuir uma certa "superioridade" a qualquer uma das religiões por considerarmos a importância que cada uma tem no mosaico da diversidade humana.
Origens: O Brasil recebeu negros ao longo dos séculos de vários lugares da África. Existe uma diversidade cultural muito grande, mas costuma-se elencar dois principais grupos que abarcam uma variedade de etnias por conta das semelhanças lingüísticas e hábitos culturais: os sudaneses e bantos.
Entre os povos sudaneses estão os Iorubás (ou Nagôs) e os Jeje (ou fon), oriundos principalmente da Nigéria e Benin (ex-Daomé). Entre os bantos encontramos os angolanos. Calcula-se que dos bantos tenha vindo um maior número de escravos, exercendo uma grande influência na cultura brasileira. Destacamos estes três povos por serem os principais na formação da cultura religiosa de matriz africana no Brasil, apesar de existir a presença de outros importantes grupos africanos na formação de nossa cultura, como os hauaçás, povo islamizado do Sudão central que os portugueses chamavam de malês.
Oralidade: As religiões afro não se baseiam em livros sagrados como a Bíblia ou a Torá ou o Alcorão. A transmissão do conhecimento religioso africano baseia-se na oralidade. Todos os ensinamentos secretos são passados aos iniciados oral e gradualmente ao longo do tempo. A cosmovisão, a mitologia, as tradições, os rituais litúrgicos, a linguagem são ensinados conforme a participação do iniciado nos cultos. A memória individual e coletiva é preservada até hoje.
Orixás, voduns ou inquices: Os orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis divinizados fundadores de linhagens, reinos e cidades-estado, sendo não só a origem da organização social e política, como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida terrena, à semelhança do que ocorre entre os povos bantos.[1]
A manifestação de entidades e/ou espíritos de antepassados é outro ponto comum nas religiões de matriz africana. Através da dança e do ritmo dos tambores, o iniciado entra em transe e as entidades do além se manifestam. Os povos de origem Iorubá deram a estas entidades o nome de Orixás, que no Jeje correspondem aos voduns e nos terreiros de tradição angola são conhecidos como inquices. Estes deuses africanos personificam as forças da natureza. Das centenas de divindades existentes na África, apenas um número bem reduzido é cultuado no Brasil. Alguns orixás são bastantes conhecidos na sociedade brasileira por serem citados na música popular, na literatura ou por fazerem parte de rituais que se naturalizaram socialmente, como o de oferecer presentes no Ano Novo para Iemanjá.
Sincretismo: os ritos de matriz africana foram bastante perseguidos no Brasil. Primeiramente pela Santa Inquisição, uma organização da Igreja Católica que persiguia os que contestavam suas práticas, e logo depois pelo próprio Estado, que proibiu o culto aos orixás até meados do século XX. Para despistar as perseguições, os africanos e afro-brasileiros associavam um orixá a um santo católico. Então, quando homenagiavam determinado santo com suas danças e cantos, estavam fazendo na verdade para o orixá ali representado. O abismo existente entre as classes sociais e entre brancos e negros no Brasil não impediu que as tradições culturais interagissem uma com as outras. Surgiram novas formas que mantiveram as estruturas semelhantes do Cristianismo e das religiões indígenas e africanas. Hoje, apesar das leis brasileiras garantirem o direito de liberdade de culto não sendo necessário mais o sincretismo religioso, a Umbanda ainda mantém esta tradição, pois suas práticas ritualísticas se baseiam na mistura do Cristianismo com elementos da cultura indígena e africana. No sincretismo religioso existe a idéia equivocada de que o orixá Exu é o diabo. Na mitologia iorubá, Exu não é oponente do criador do universo, assim como o diabo é oponente de Deus na concepção cristã. Exu é o co-criador, o elemento dinâmico e trasnformador da criação.
Muitas são as manifestações religiosas no Brasil que tem origem na matriz africana: Candomblé, Umbanda, Tambor-de-mina, Tambor-da-mata ou Terecô, Xangô de Recife, Batuque entre outros. Procurei sintetizar os elementos comuns entre estas religiões. Para conhecer a filosofia e a cosmovisão é necessário um aprofundamento em seus ritos e em sua mitologia e isto acontece através da experiência e participação nos rituais.
[1] SOUZA, Marina de Mello e. África e Africano / Marina de Mello e Souza. – 2ª ed. – São Paulo: Ática, 2007.

quinta-feira, 19 de março de 2009

A Resistência Indígena e Africana


Herdamos em nossa cultura o preconceito racial, fruto da colonização portuguesa que inferiorizava os povos não-cristãos para dominá-los com mais facilidade. Para escravizar índios e negros, os portugueses logo trataram de impor sua própria cultura e destruir os bens culturais dos dominados.

Muitos índios foram catequizados pelos portugueses e logo escravizados. Os indígenas viam em peças de teatro escritas pelos Jesuítas, personagens diabólicos com os nomes dos deuses cultuados pelos índios.
Quando os africanos foram trazidos à força para o Brasil, suas divindades conhecidas como orixás, inquices ou voduns, eram consideradas como demônios pelos colonizadores.

Desmantelar o patrimônio cultural é o primeiro passo para tornar os escravos mais dóceis e menos resistentes a dominação. Muitos índios, conhecedores das matas desta terra, conseguiram fugir das mãos severas do trabalho escravo. Os africanos encontraram em sua cultura, principalmente em sua religião, forças para resistir e lutar contra a escravidão.

A Cultura Afro-brasileira

Foi aproximadamente a partir de 1580 que começaram a chegar os primeiros africanos vindos para o Brasil. Com dificuldades em escravizar os índios, pois estes conheciam os caminhos secretos das florestas brasileiras, os portugueses fizeram do tráfico negreiro um comércio muito lucrativo, aumentando o fluxo de africanos escravizados para o Brasil.


O continente africano sempre foi povoado por uma enorme variedade de povos, que falam línguas diferentes, organizam a sociedade de maneiras diversas e têm religiões, atividades econômicas e habilidades diferentes. O sobrenatural, a magia, ao qual o homem só tem acesso por meio de rituais e cerimônias, desempenham um papel fundamental na cosmovisão africana e influencia de maneira direta as decisões sociais.


Para entendermos um pouco melhor, vamos abordar alguns aspectos desta cultura que herdamos e que passou muitos anos despercebida dos nossos livros didáticos. A cada semana vamos postar um elemento cultural de forma sintetizada

A Influência Africana na Música Brasileira

Logo nos primeiros anos de colonização, as ruas das primeiras cidades brasileiras já assistiam as festividades de coroação ao "rei do Congo", que simbolicamente representavam uma sobrevivência do costume dos potentados bantos de animarem suas excursões e visitas diplomáticas com danças e cânticos festivos em séqüito aparatoso.


A música conguesa ofereceu as bases do que hoje conhecemos como samba. O lundu tinha como coreografia a umbigada. Nas grandes cidades, o lundu e o batuque foram se misturando a ritmos europeus como a polca e surgiram modalidades diferentes de músicas surgidas no interior do Brasil. O samba rural batido na palma da mão, no pandeiro, no prato-e-faca e dançado à base de sapateados, peneiradas e umbigadas forma uma outra diversidade do samba.


A civilização iorubana, a fon e a angolana ofereceram a estrutura da música religiosa afro-brasileira. O tambor é o principal instrumento usado nas cerimônias e convida as entidades a se manifestarem e dançarem. O culto aos antepassados é enriquecido pelo uso do agogô, adjá e xere. Os africanos foram responsáveis pela introdução de outros instrumentos na América, como o reco-reco, a cuíca, o berimbau, que não têm uso religioso.


Orixá sendo conduzido pelo som do adjá.

domingo, 8 de março de 2009

A Contrução da Identidade dos Afro-Brasileiros




Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque é capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade” do “não-eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.

Paulo Freire[1]




O processo de construção de determinada identidade não é um processo linear. Trata-se de uma complexa rede de relações onde se estabelece a multiplicidade da própria noção de identidade. Existem diversas delas: identidade de gênero, racial, etária, cultural, de sexualidade entre outras. As identidades são importantes mecanismos de inclusão e exclusão nas redes de relações sociais, pois afirmam as referências culturais dos grupos.




Construir uma identidade negra positiva em nossa sociedade é um desafio que se faz urgente e necessário, já que, historicamente, nos foi ensinado que os negros e negras precisavam negar a si mesmos para serem aceitos nos grupos sociais. Vivenciamos uma negação dos heróis e modelos negros, a inferiorização de suas características físicas e a desconstrução das memórias deste grupo social. Tais fatores são mecanismos estratégicos de exclusão que têm como elemento primordial a destruição do pertencimento identitário racial positivo.




Este blog tem como objetivo divulgar saberes pertinentes a cosmovisão africana de modo que possa contribuir com a construção de uma identidade dos afro-brasileiros. O enfoque dado pelos livros didáticos somente na escravidão, na pobreza e no sofrimento não oferece a dimensão da história de luta, resistência e dos valores culturais dos africanos, que enriqueceram nosso país durante séculos, muito pelo contrário, ajuda a fortalecer os estereótipos preconceituosos e racistas.




[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa / Paulo Freire. _ São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura)

Fotografia de Pierre Fatumbi Verger

Uma realidade na Educação Brasileira


A questão étnico-racial tende a aparecer na escola como um elemento de inferiorização do aluno negro. Como já foi comprovado em várias pesquisas, o racismo em nossa sociedade constitui um forte elemento que define o fracasso escolar de alunos afro-descendentes, pois gera danos materiais, físicos e psicológicos.[1]
O processo de discriminação racial é configurado de maneira que a sociedade não desvaloriza somente os aspectos físicos herdados pelos afro-descendentes, mas também existe a discriminação de valores e bens culturais e artísticos oriundos da matriz africana. Isto influencia diretamente no rendimento do aluno negro, pois ele não se identifica com o discurso escolar baseado na estética branca, elitista que herdamos dos europeus, como se estes fossem os únicos construtores do conhecimento, da arte e da civilização, relegando aos povos não-cristãos uma posição de inferioridade.
O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda nossa história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou.[2]
A educação pautada em conceitos eurocêntricos é fruto de uma herança da colonização portuguesa que excluiu dos currículos escolares durante muitos anos a sabedoria trazida pelos africanos para o Brasil, contribuindo assim para a recriação do racismo e da intolerância religiosa.
Pessoas com auto-estima elevada estão conectadas consigo e com o mundo, têm consciência de suas potencialidades, capacidades e limitações, enquanto que, uma pessoa com a auto-estima baixa ignora seu potencial, suas motivações, crenças e valores, desconhece suas verdadeiras necessidades, possui pouca confiança em si, dificuldades em identificar seus talentos e de conviver com suas dificuldades.
[1] Sobre pesquisas que apontam o desempenho dos alunos afro-descendentes, ver o trabalho de Alexsandro do Nascimento Santos na obra Negro e Educação 4: linguagens, resistências e políticas públicas – São Paulo: Ação Educativa; ANPED, 2007 e o trabalho de Renísia Cristina Garcia. Identidade Fragmentada: um estudo sobre a história do negro na educação brasileira: 1993_2005. Brasília: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007.
[2] BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP 1/2004. Seção 1, p.11 D.O.U. de 22 de junho de 2004.
Fotografia de Pierre Fatumbi Verger